Deuses Homenageados

O XV Encontro Brasileiro de Druidismo e Reconstrucionismo Celta – EBDRC é dedicado a um trio de deuses, uma sagrada família irlandesa, por assim dizer.

Os homenageados dessa edição são Boann e Dagda e, consequentemente, seu filho Óengus mac Óg. Vamos entender um pouco mais dos três e de suas relações mitológicas com a cidade…

Boann (ou Boand) é uma deusa irlandesa, uma dos Tuatha dé Danann, deusa do rio Boyne (Bóinn), da fertilidade, da poesia, do conhecimento e da maternidade. Boann descrita como uma deusa de incrível beleza, casada com Nechtan, guardião do Poço de Segais, onde a aveleira do conhecimento estava locada e produzia as nove avelãs do conhecimento. O poço abrigava o salmão da sabedoria. Era dito que aquele que olhasse para o poço teria sua face desfigurada e se afogaria.

Dagda (Ruad Rofhessa, Eochaid Ollathair, Aed Abaid, o Bom Deus) é o deus da abundância, da fartura, da prosperidade, do clima, da vida e da morte, bom em tudo que faz. Detentor da clava bifurcada Lorg Anfaidh, que pode matar ou dar vida dependendo de com qual lado é golpeada; da Harpa de Carvalho, Uaithne, que toca as três melodias que regem as estações (Goltraí – melodia da tristeza; Geantraí – melodia da alegria; e Suantraí – melodia do sono / êxtase); e também detentor do Coiri in Dagda (Caldeirão do Dagda ou Caldeirão da Abundância), que está sempre cheio de alimento.

Nos mitos, Dagda se enamora por Boann, com quem tem um caso. Nessa relação Óengus (Aengus ou Aonghus) é concebido. Para encobrir a gravidez de Boann, Dagda envia seu marido, Nechtan, em uma missão que duraria nove dias para ser completada. Desse modo, ele controla o tempo, fazendo com que nove dias dure nove meses, ou o tempo de uma gestação, garantindo o nascimento em segurança de seu filho. Após nascer, a criança de grande beleza, fora dada a Midir para ser criada e preservada.

Em algumas versões do mito, Boann, separada de seu filho, resolve desafiar as águas do Poço de Segais e olhar para a grande sabedoria que ela escondia, na certeza de que sua beleza não seria desfigurada. Em outras versões, essa decisão é tomada por seu excesso de confiança. Em ambas, ao contemplar seu reflexo pelas turvas águas do poço, vê-se desfigurada, e desesperada pela imagem que vê, cai nas águas do poço que se rebelam, se levantam, afogam a deusa e se transbordam, se transformando no rio Boyne (Bóinn). O Boyne é um rio de vital importância para a terra irlandesa, lar inclusive dos grandes sítios arqueológicos, entre eles o Brú na Bóinne (Newgrange), dito ter sido morada de Dagda e, posteriormente de Óengus.

Óengus, cujo nome possivelmente significa “verdadeiro vigor” é um deus agraciado por seu nascimento mágico, e assim é descrito como sendo o sempre belo, o sempre jovem (mac Óg), o mais belo de todos. Por essa razão é também chamado de Macan Óc. É o sedutor deus primaveril, que rege e representa os sonhos e as idealizações, e rege o amor (principalmente o do tipo platônico), a partir de sua paixão e relação com a feérica cisne Caer Ibormeith, com quem, após adoecer de amor, vai viver no outro mundo na forma de um cisne. Nos mitos, Óengus se apaixona perdidamente por uma bela mulher que conheceu em sonhos, e esta bela não era encontrada em nenhum lugar da Irlanda, o que faz Óengus adoecer gravemente de amor, até descobrirem que essa jovem era Caer Ibormeith, uma feérica, filha de Ethal Anbuail, amaldiçoada a viver na forma de um cisne durante todo o ano, podendo assumir a forma humana apenas na noite de Samhain. Quando finalmente encontra sua amada no Loch Bél Dragain (Dragon-Mounth Lake), onde a vê cercada por 150 cisnes. É dito a Óengus que ele poderia desposar Caer, caso ele conseguisse reconhece-la na forma de cisne, aceitando o desafio, Óengus acerta em sua indicação se transformando em cisne e vivendo com Caer no lago.

Desse modo, Óengus passa a ser referenciado como o deus da primavera, da juventude, da beleza, dos sonhos e do amor, uma ponte entre o mundo feérico e mundo físico representado pelo mundo onírico.

Para além dos deuses homenageados, o XV EBDRC faz referência à mítica Tír na nÓg (Terra da Juventude), da mitologia irlandesa, também conhecida como Terra do Eterno Verão. Uma terra mítica no Outro Mundo, muitas vezes confundida ou relacionada à ideia do paraíso, mas referenciada na mitologia como uma das várias terras, ou ilhas, do lado de lá. Essa seria uma terra sagrada de grande alegria e beleza, onde não haveria dor, doença e sofrimento, assim como não haveria inverno.

Aracaju/SE foi, assim escolhida para representar, simbolicamente, esse espaço paradisíaco, por suas belezas naturais, litoral e vastos rios. Uma terra de clima estável (sempre entre os 22 e 36º), eleita a “capital da qualidade de vida” (FGV, 2005), e sempre recheada de festas populares.

Além da relação com Tír na nÓg, Aracaju (ará + acay = cajueiro dos papagaios) foi terra de residência do famoso Cacique Serigy (siri + ‘y = água de siri), importante líder na resistência a colonização portuguesa no Brasil. Serigy governaria as terras que se tornaria futuramente a Província e então estado de Sergipe (siri + î + pe = nas águas do siri) após sua emancipação da Província Baiana em 1820. Como forma de relembrar e homenagear a história do estado, da cidade, e de Serigy, o tema do evento foi escolhido como sendo “do siri ao caju”, articulando dois grande símbolos locais: o siri (muitas vezes chamado localmente de caranguejo) e o caju, fruto importante da abundante espécie de árvore da cidade, árvore famosa por sua resistência e potencialidade natural, medicinal e artesanal. Assim, articulamos a Árvore do Mundo, com suas raízes longas que alcançam o mar (mangue), seu tronco forte sobre a terra e seus galhos altivos que alcançam os céus. Buscamos o fruto sagrado dessa árvore (caju), enquanto nos nutrimos de suas raízes (siri). E articulando, por fim, as castanhas, com as avelãs do conhecimento do mito do Poço de Segais.

Uma curiosidade: Aracaju tem um monumento do siri, chamado popularmente de caranguejo, localizado na orla de Atalaia, a Passarela do Caranguejo. E além disso há inúmero monumentos de caju (estátuas) espalhadas em diversos pontos e praças da cidade.

E assim, convidamos você para vir viver os encantos e sabores dessa terra mágica, nessa edição encantada do EBDRC!

REFERÊNCIAS: